Julgamento do ex-mordomo do Papa gera suspeita sobre Vaticano
A condenação rápida do ex-mordomo do
papa Bento deixa no ar a desconfiança de que ele possa ter sido um
joguete numa intriga muito maior no Vaticano, envolvendo disputas
internas na corte papal e alegada corrupção nos escalões mais altos da
Igreja Católica.
Apesar do desejo do Vaticano de
rapidamente virar a página, deixando para trás um dos piores escândalos
de sua história recente, o julgamento de Paolo Gabriele por vazamento de
documentos confidenciais deixou muitas perguntas sem respostas, levando
alguns a considerá-lo um esforço de acobertamento.
O julgamento do ex-mordomo foi concluído
com rapidez recorde, terminando no sábado (6) após apenas quatro
audiências, e comentava-se abertamente que terminaria antes do início de
uma reunião de bispos de todo o mundo, que começou no domingo (7) e
deve durar três semanas.
“O Vaticano passa uma mão de cal sobre tudo”, foi a manchete de Il Fatto Quotidiano, um dos jornais que publicou materiais vazados de Gabriele. O ex-mordomo gozava de acesso privilegiado aos aposentos papais.
Enquanto outros comentaristas foram
menos categóricos sobre a possibilidade de um acobertamento orquestrado,
a maioria concordou que o julgamento deixou muitas perguntas e
contradições pairando no ar.
“Me parece que houve um esforço claro do
Vaticano para limitar quaisquer revelações”, disse John Allen, autor de
vários livros sobre a Igreja Católica e o pontificado. “O esforço de
transparência feito pelo Vaticano, ao promover o julgamento, teve
sucesso apenas parcial”.
Paolo Gabriele foi sentenciado a 18
meses de reclusão, pena a ser cumprida em prisão domiciliar, enquanto
ele espera receber um perdão do papa.
Os documentos que ele deixou vazar
desencadearam uma das maiores crises do pontificado de Bento,
constrangendo o Vaticano no momento em que ele se esforça para superar
uma sequência de escândalos de abuso infantil envolvendo clérigos, além
de erros na gestão de seu banco.
Gabriele falou aos investigadores que
agiu porque viu “o mal e a corrupção presentes por toda parte na Igreja”
e percebeu que informações estavam sendo ocultas do papa.
Juiz é criticado
Mas o maior jornal da Itália, o
“Corriere della Sera”, divulgou uma lista de dez perguntas que ficaram
sem resposta no julgamento. A principal delas é se um homem simples como
Gabriele, que afirmou ter agido por amor “visceral” pelo papa e a
Igreja, tinha agido por conta própria.
Em depoimentos anteriores ao julgamento,
Gabriele reconheceu ter sido influenciado por vários funcionários do
Vaticano, incluindo um confessor a quem entregou cópias de documentos
sigilosos. O confessor mais tarde destruiu as cópias.
O ex-mordomo disse ao tribunal que,
graças à posição que ocupava, podia ver como era fácil para um homem com
o poder do papa ser manipulado por outros, mas falou que aqueles que o
influenciaram não poderiam ser descritos como “cúmplices”.
Alguns comentaristas criticaram o juiz
por não ter seguido outras linhas de interrogatório relativas a quem
influenciou o mordomo. Uma televisão italiana indagou por que o padre
confessor que recebeu de Gabriele cópias de documentos e depois os
queimou não era acusado de conluio.
A identidade do padre foi mantida em
sigilo até o último dia do julgamento, sendo revelada apenas na súmula
apresentada pela acusação. O padre não foi chamado a depor.
Investigação separada
Uma iniciativa da corte que causou
assombro foi sua decisão de rejeitar um pedido da defesa de aceitar como
evidências os resultados de uma investigação separada sobre o escândalo
– apelidado “Vatileaks” pela mídia italiana – feita por três cardeais.
A corte decidiu que, como a comissão dos
cardeais foi nomeada pelo papa, que é o monarca da Cidade do Vaticano,
suas conclusões eram reservadas para seus olhos e ficariam em segredo.
A corte ouviu que Gabriele, que servia
as refeições do papa e o ajudava a se vestir, fotocopiou documentos
sigilosos em plena vista de seus superiores imediatos, numa pequena sala
de trabalho adjacente aos aposentos residenciais do papa no Palácio
Apostólico.
Em seguida, ele escondeu mais de mil
cópias e documentos originais, incluindo alguns que o papa tinha marcado
“a serem destruídos”, entre muitos milhares de outros papéis e recortes
antigos de jornal num grande guarda-roupa no apartamento familiar no
interior do Vaticano.
Espião ou agente?
Gabriele começou a guardar documentos em
2006, quando começou a trabalhar como mordomo do papa, mas alguns
questionam por que ele só os vazou este ano. Ele seria um espião
plantado junto ao papa e que aguardava ordens de outros altos
funcionários do Vaticano?
Sendo membro de um grupo pequeno e
seleto conhecido como “a família papal”, o acesso privilegiado de
Gabriele era tão grande que ele era uma de menos de dez pessoas que
tinham uma chave do elevador direto para os aposentos do papa.
Muitos observadores do Vaticano duvidam
que o mordomo possa ter agido inteiramente por conta própria, sugerindo
que ele tenha sido forçado a arcar com a culpa para poder acobertar
nomes maiores dentro da Santa Sé.
Marco Politi, autor de vários livros
sobre o Vaticano, escreveu que os procedimentos da corte pareciam “um
roteiro em que cada um está representando seu papel”: uma acusação
firme, mas benevolente, uma defesa morna e a perspectiva de um perdão
papal.
Comentaristas de jornais indagaram se
Gabriele tinha fechado um acordo com o Vaticano, concordando em não
divulgar muito do que sabe, recebendo em troca o perdão papel e a
promessa de ficar com um emprego de perfil baixo na cidade-estado.
Um comentarista escreveu que o Vaticano
quer manter Gabriele em rédea curta porque teme que ele deixe o Vaticano
e escreva um livro de memórias.
Fonte:
http://www.verdadegospel.com/julgamento-do-ex-mordomo-do-papa-gera-suspeita-sobre-vaticano/
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